Livre
Andei três anos a tirar-te do corpo, como quem te vomita a prestações. Ressacava-te nas ocasiões mais inesperadas: tremores e suores frios em pacatos almoços de família, despertares alucinados a meio da noite, tesões fulminantes à hora do lanche, em pleno escritório. Circulavam-me no sangue pedaços de ti, que por vezes encalhavam em pontadas bruscas, como otites da memória. Os dedos repuxando o lençol quando me afundava entre as tuas coxas. Os teus olhos semicerrados, emergindo do meu umbigo. A cova das bochechas, aparecendo e desaparecendo ao ritmo ondulante da tua cabeça.
Um dia percebi que estava limpo. Tinha passado cinco dias seguidos sem arrepios involuntários. Já não era a tua cara que me aparecia a meio da noite, gemendo palavras obscenas. Já não era a espiral da tua língua que eu esperava encontrar em todas as bocas húmidas, não era tua a rigidez macia das nádegas com que alimentava os dedos. Nada de ti, nunca tu, nunca mais.
Então juntei todos os teus pedaços dispersos e, com lentos movimentos da mão direita, orgulhosa da sua liberdade reconquistada, arquivei-te na minha vida como um puzzle resolvido. O orgasmo doeu-me durante uma semana, no escroto, no interior das coxas, nas virilhas, na memória. Mas foi um preço justo. Ninguém pode foder como nós impunemente.
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