Teorema de Jerkoff
Uma relação está em crise quando há alguém a masturbar-se mais do que três vezes entre cada queca.
Eu sou funcionário, ela é dançarina
Uma relação está em crise quando há alguém a masturbar-se mais do que três vezes entre cada queca.
Sempre se entenderam bem na cama: nenhuma outra mulher simulava orgasmos com tanta distinção e classe.
...e então, já um pouco irritada, ela repreendeu-o: «Fazias melhor em confiar um pouco mais nas outras pessoas». Ele não respondeu, ficou a vê-la apertar um pouco mais as cordas que lhe prendiam os tornozelos aos pés da cama e, com um meio-sorriso sábio, tirar do saco a venda, a gilette, as velas, o sal grosso e o isqueiro. «Ela é bem capaz de ter razão, por este andar ainda arranjo uma úlcera antes dos 30» pensou. Ainda viu pela janela do quarto as luzes a piscar lá fora, verdes, amarelas, vermelhas, vermelhas, vermelhas. Depois, para seu alívio, ficou tudo escuro. «Detesto o Natal», pensou antes de ouvir o clique do isqueiro num local que lhe pareceu sugestivamente próximo da sua coxa esquerda.
Houve uma altura da sua vida em que espalhava fodas como quem manda ao mar garrafas com mensagens de SOS. Certa vez teve a surpresa de reencontrar uma delas, numa cama em Paris. Tinham passado três anos, mas não teve dúvidas: era a mesma angústia, os mesmos medos, a mesma gaguez de corpo. Os gestos trôpegos e hesitantes de quem humedece a ponta do lápis para tentar escrever melhor eram indubitavelmente os seus. Era ele quem ali estava, três anos depois, dentro daquele corpo de mulher sem sinais particulares. E, em breve, sem outra memória que não a de ter hospedado, durante todo aquele tempo, o seu pedido de socorro.
Nos dias maus o sexo transformava-se num mero pretexto para uma noite de sono pacificado. A cada vai-vem das ancas havia mais um carneirinho a saltar a cerca. E só por vergonha não trocava o cigarro final por um copo de leite quente.
Ela era extremamente pudica. Só na terceira noite em que o deixou vir-se na sua boca lhe permitiu, por instantes, o vislumbre de um sentimento em contraluz. Como no fundo era um cavalheiro fingiu que nada tinha visto para além do admissível. Mas, enquanto puxava as calças para cima, não conseguia deixar de sentir-se o mais reles dos espreitas. «Puxei com muita força?» perguntou com falsa indiferença, enquanto a ouvia abrir a torneira do lavatório e gargarejar o que lhe pareceu ser um «não».
Aos 55 anos montou um apartamento para a secretária, a quem por essa altura já ninguém se atrevia a chamar «boca de incêndio». Saiu de casa sem ondas nem escândalos. Deixava atrás um filho adolescente de quem já só conhecia os Reebok encardidos na sala de estar. E atrás dos Reebok do filho uma mulher menopáusica e silenciosa, a quem creditara, por junto, três orgasmos, uma viagem a Roma e um vison em 30 anos de vida comum. Levava os sapatos, a colecção de aviões em miniatura, as fotos da tropa, mais uma guitarra com duas cordas partidas e uma pêra grisalha, despojos fossilizados dos últimos dias vagamente alegres, em Coimbra.
Tinha uma preferência por sexo oral e um fetiche por bombeiros. Invejosas, as colegas da agência chamavam-lhe «boca de incêndio».
Tentou explicar-lhe. Carnes macias, redondas, suaves ao toque, cujo sabor antecipava na garganta engasgada de saliva. Carnes elásticas, maleáveis, suculentas, que degustava mentalmente, cerrando as mandíbulas para não se notar a vertigem canibal do desejo. E poucas coisas lhe traziam mais facilmente a imagem dessas carnes do que as ocasiões em que tropeçava, maravilhado, numa palavra esdrúxula.