quinta-feira, dezembro 15, 2005

Alcunha (II)

Aos 55 anos montou um apartamento para a secretária, a quem por essa altura já ninguém se atrevia a chamar «boca de incêndio». Saiu de casa sem ondas nem escândalos. Deixava atrás um filho adolescente de quem já só conhecia os Reebok encardidos na sala de estar. E atrás dos Reebok do filho uma mulher menopáusica e silenciosa, a quem creditara, por junto, três orgasmos, uma viagem a Roma e um vison em 30 anos de vida comum. Levava os sapatos, a colecção de aviões em miniatura, as fotos da tropa, mais uma guitarra com duas cordas partidas e uma pêra grisalha, despojos fossilizados dos últimos dias vagamente alegres, em Coimbra.

A secretária falava mais do que a mulher. A perda do silêncio custou-lhe mais do que imaginara. Mas durante quase quatro meses veio-se abundantemente, quase todos os dias, nas posições mais eruditas e a pretexto dos estímulos mais improváveis. Depois, semana após semana, começou a vir-se menos vezes, e menos intensamente. Primeiro sentiu angústia e pena. A seguir, apenas alívio, porque em troca tinha recuperado o silêncio à sua volta. E nem se importou quando percebeu, pelos sussurros nos corredores da agência, que o seu nome de guerra passara a ser «Armação de Pêra».